plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

19J
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Meu caro amigo Chico me perdoe, por favor. Hoje é o seu aniversário e se a gente ainda fosse o país do samba, do choro e do rock'n'roll mesmo aqui, no meu sábado gelado de quase inverno, eu iria colocar para rodar um disco seu e iria celebrar meus caros amigos. Iria celebrar seus 77 anos e o Brasil cantado por você. Se os dias estivessem normais por aqui, Chico, eu iria pedir uma cerveja estupidamente gelada prum batalhão e colocar mais água no feijão. Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá feia. Desculpa, Chico, é seu aniversário, mas não há o que comemorar no Brasil de hoje.

AMANHÃ HÁ DE SER OUTRO DIA

Nossa ofegante epidemia chegou e ela não se chama carnaval. Somos, hoje, uma nau desgovernada num contexto pandêmico. E você conhece muito bem sobre aquilo que não tem governo, nem nunca terá, sobre o que não tem vergonha, nem nunca terá. Meu caro amigo, você sabe, nossos números são horríveis. O nosso cotidiano é de desemprego, fome e morte. São quase 15 milhões de pessoas desempregadas. São 116,8 milhões de pessoas que não sabem se terão comida no prato amanhã. E hoje, no dia do seu aniversário, nosso país chegou a meio milhão de mortes causadas pela Covid-19. Doença para a qual já existe antídoto, mas o nosso Brasil, Chico, ignorou 53 chances de vacinar seu povo. Vivemos, hoje, em um Brasil que abandonou seus filhos e filhas à própria sorte e saiu a passear de moto sem capacete por aí.

APESAR DE VOCÊ

Ah, Chico, quando chegar o momento, esse nosso sofrimento, vamos cobrar com juros, juro. Mas meu querido amigo, eu te digo, quem inventou a tristeza, vai ter que ter a fineza de desinventar. Essa gente, Chico, diz que comemos feijão com arroz como se fossemos príncipes ou princesas e que deixamos sobrar no prato, quando são eles os responsáveis pelo preço da comida que não para de subir. E para completar Chico: ainda andam ameaçando a nossa tão jovem democracia. Sabemos dos seus problemas, mas a gente também reconhece a sua importância. Eu ando preocupada, amigo, porque a nossa pátria mãe dorme tão distraída e, sem perceber, vem sendo subtraída em tenebrosas transações. Mas Chico, para terminar, te mando uma notícia boa. Vai passar? o jardim vai florescer, o dia vai raiar, sem pedir licença, e esse dia virá antes mesmo do que a gente pensa.

Artigo escrito a partir de trechos da obra de Chico Buarque em referência ao seu 77º aniversário, comemorado em 19 de junho de 2021, mesmo dia em que milhares de pessoas foram às ruas contra o governo federal.

Está difícil...
Eni Celidonio
Professora universitária

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Não tem nada que eu goste mais do que ler comentários de postagens e de ler manchetes de notícias nas mídias sociais. É uma das coisas mais divertidas que conheço. Tem aquelas postagens em que aparece uma mulher comum, longe de ser bonita, digamos simpática, e você vai nos comentários e está lá: "Linda! Maravilhosa"! Outra avisa que uma loja de Santa Maria, situada na segunda quadra da Bozzano, está vendendo máscaras de várias cores e de todos os tamanhos por R$9,90, vai nos comentários e lê: "Tem só branca? Tem para criança? Quanto custa cada uma? Onde fica a loja, é em Santa Maria"?

SENSACIONALISMO?

Lembro de ter lido, acho que há uns seis anos, que um ator que imitava a presidente Dilma tinha feito um show em Niterói e que, na metade, tinha sido impedido de continuar o show e trazia em negrito: O PT, partido de esquerda, também se utiliza da censura. Aí a curiosa aqui foi ler a matéria e lá estava a explicação: o texto apresentava muitos palavrões, a sogra do prefeito estava presente e não gostou, pedindo que o show fosse interrompido. O que tem de PT ou de esquerda nisso? Nada, a não ser que o prefeito ou a sogra sejam canhotos.

Eu poderia ficar aqui uma vida escrevendo sobre isso, mas o editor ia me matar. Eu só vou dizer que hoje dei de cara com essa manchete no Facebook: "Conheça a filha de Rodrigo Faro que ele renegou a vida inteira e que fez vários exames de DNA". Você abre a notícia e lê que ele nega a paternidade, que a mãe é de Santa Catarina, que ela jura de pé junto que ele é o pai de sua filha e que ele fez três testes de DNA, todos negativos. Coisa impressionante o que não se faz para ser lido! Deixa-se uma frase de efeito, com um sentido e a notícia tem outro. O que acontece é que hoje, tudo é muito rápido, ninguém tem paciência para ler textos longos, só leem a manchete e pronto: está feita a festa.

Pior que isso não é novo. Em 1979, isto é, no século passado, meu professor de edição (ainda existe isso na Faculdade de Jornalismo?) mostrou para a turma uma manchete do Jornal O DIA, que trazia em letras garrafais: Cachorro faz mal à moça em praça de Bangu. Disse que nunca o jornal foi tão vendido como aquela edição. Todos queriam saber sobre esse fato bizarro. Afinal, na página policial, a matéria completa, explicando que a moça comprara um cachorro quente numa barraca de uma praça e passara mal.

Nem vou comentar nas postagens que matam pessoas. Chaves morria quase todos os anos. Luan Santana já morreu com dois tiros num assalto, Belo foi assassinado em 2008, na Linha Vermelha, Dinho morreu em 2009, ao cair do palco em show em Minas Gerais, Britney, Charlie Sheen, Johnny Depp, Paul McCartney, nossa, uma infinidade de gente.

 Até aqui em Santa Maria, já aconteceu essa "barriga". Se um dia vocês lerem sobre a minha morte, esperem a minha confirmação, ok? 

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